
Quando A Vida Acelera A Morte
por Rafael Belo
Aí está o trânsito parado de novo. Mais um corpo morto. Outra vida para as estatísticas da cidade. Já estou cansado destes acidentes. Mesmo os não fatais deixam sequelas frequentes. Ficam traumas e o fluxo continua. Mas, às vezes, nem para como diante da fatalidade do dia. O piloto da moto, um servidor da Câmara, atropelado por uma camionete branca que não respeitou o sinal fechado. Tudo tão rápido para o fim. Mas o tráfego seguiu nesta terça, segundo dia de setembro de 2025.
É como se houvesse um show do Chico Buarque ao vivo “morreu na contramão atrapalhando o tráfego/o público/ o sábado…”, mas não atrapalhou nem estava na contramão. Ninguém ligou. Ninguém ouviu a canção. Desumanizamos. “Tá lá mais um corpo estendido no chão”, de Aldir Blanc e João Bosco, como se fosse um monte de nada. Na traseira de um carro preto parado logo antes da faixa de pedestre.
Nestes tempos onde não conseguimos nem parar para sentir, os dados do primeiro semestre não parecem que vão diminuir. Aliás, só vêm aumentando. Em quatro anos chegaram a 3.538 acidentes a mais. Lá em 2020, depois da virada do ano, constavam 9.222. No primeiro dia de 2025, já eram 12.760. Os números são do Comando do Batalhão de Polícia Militar de Trânsito de Campo Grande e estão assustadores depois de seis meses deste ano que apontam 5.282 registros.
É! Somos números e telas. Temos uma média de 1.056 acidentes de trânsito por mês, e nem contamos ainda julho e agosto. Estamos em setembro e nesta transição de mês vejo notícias de acidentes diariamente e nem sei os dados da Polícia Rodoviária Federal. Se pararmos para refletir que, deste total até dois meses atrás, 17 pessoas morreram por “banalidades” no deslocamento pela cidade… É a pressa, é a distração, o uso do celular, o abuso ou o desrespeito mesmo…
Neste sentido perdemos os sentidos vivendo pra trabalhar e morrendo por isso. Conectados o tempo todo na mesma medida da nossa desconexão não sabemos mais definir o que é ser humano. Uma vida perdida e quem a tirou a atirou sem alvo porque vai ficar marcada enquanto viver também. Mesmo que a arte ensinei que a vida continue da mesma maneira que a filosofia, a ciência e a biologia, ela é interrompida enquanto durar a memória de quem fica.